Telhados de Vidro
Numa partilha anterior no Instagram falei das guerras que cada um se encontra a batalhar e dificuldades que teve de ultrapassar. Não sabemos tudo, e principalmente não sabemos tudo sobre as experiências dos outros. Cada um vive as situações à sua maneira, sente à sua maneira, e fica afectado à sua maneira. O que para mim passa ao lado sem me destabilizar emocionalmente, para outra pessoa pode ser a origem de grande dor. Não nos torna mais fracos. Aliás, pode até tornar-nos mais fortes. Experiências dolorosas obrigam-nos a crescer, a modificar algo em nós ou nas nossas vidas, seja uma relação, hábitos do nosso quotidiano, formas de estar na vida.
Algumas das pessoas mais bonitas que encontrei na minha vida até agora passaram ou estão a passar por momentos de derrota, de sofrimento, de perda. Quando conseguem resolver o que sentem, tornaram-se pessoas com maiores sentimentos de compaixão, gratidão e preocupação verdadeira pelos outros e pelo mundo. Não significa isto que quando sofrem andem deprimidas e se enfiem debaixo dos lençóis o dia todo. Uma pessoa pode estar a viver uma situação difícil e sentir realmente mágoa no seu peito, e no entanto lutar com todas as suas forças para melhorar a sua vida e o seu Sentir. Conheço pessoas que estão a sofrer, mas conseguem fazer uma sala inteira sorrir. Quem não as conhece muitas vezes não consegue imaginar sequer a luta interna desse Ser que espalha sorrisos, mesmo quando por dentro se encontra em sofrimento.
Por outro lado, se estamos a sofrer, mesmo que inconscientemente, podemos parecer apáticos, anti-sociais (sim, já me chamaram isso numa fase de grande sofrimento, quando aquilo que eu queria era estar comigo para perceber o que se passava dentro de mim), e na verdade aquilo que precisamos é de um pouco de tempo para processar tudo e de Amor.
Donald Miller disse: “When you stop expecting people to be happy, you can like them for who they are“. E é tão isto. Ninguém é perfeito. Nem eu, nem tu. Ou melhor, eu acho que cada um é perfeito à sua maneira. Não somos iguais, mas há algo que podemos fazer uns pelos outros: não julgar, não criticar. E, muito importante, não só fazer isto pelos outros, mas também por nós.
As nossas vivências moldam-nos, e possivelmente haverá situações das quais que não nos orgulhamos, ou que nos magoam ou nos deixam irritados, mesmo fazendo parte do passado. Para nos libertarmos temos de nos perdoar a nós, a outros e a esse tempo que já foi. Não quer dizer que se alguém nos fez mal passe a ser o nosso melhor amigo. Perdoar não é querer viver o mesmo ciclo; é quebrá-lo… é aprender a olhar para essas situações sem peso nos nossos ombros.
Como é que podemos fazer isto por nós? Não há fórmula mágica, infelizmente. Comigo funciona a meditação, o estar em contacto comigo, e, a partir de determinado momento, estar com as pessoas que me fazem bem.
Vou perder as vergonhas e falar-vos de uma situação pessoal, por alto, porque há mesmo muito a dizer sobre isto, e principalmente sobre a minha transformação.
Posso dizer que foi há relativamente pouco tempo consegui finalmente ultrapassar de verdade uma situação que já se encontrava longe do presente, mas que ainda me afectava de maneiras que não consigo explicar. Envolvia outra pessoa, com a qual vivi uma relação castradora, na medida em que eu não conseguia ser eu sem ser alvo de crítica. Por vezes aquilo que eu queria era um abraço, mas nem sempre era isso que eu obtinha: ao invés, chegava a casa para ouvir coisas que ainda me mandavam mais ao chão.
Cheguei a inventar trabalho para ficar mais tempo fora de casa, para não ter de “enfrentar” aquela situação. Até um dia em que me senti verdadeiramente “ameaçada”, e chorei sem parar durante tempo indefinido, sozinha (felizmente fiquei sozinha o resto da tarde), no meu quarto. Só me apetecia estar ali, abraçada a mim mesma, no escuro. E sabem que mais? Durante esse momento, passei de “o que é que fiz para merecer isto?” para “já chega, não é isto que quero para a minha vida“, e repeti o “já chega” como um mantra, primeiro apenas na minha cabeça, depois baixinho, e, por fim, sem me importar com quem estivesse a ouvir, permiti que as lágrimas e a minha voz se juntassem, e tive noção mais tarde, ao reflectir sobre aquele momento, de que estava praticamente a gritar aquelas palavras. Quando finalmente parei de chorar e a minha voz se calou, senti-me leve, como se alguém me tivesse sussurrado palavras de conforto durante todo aquele tempo, e que finalmente tinham chegado ao meu coração. Ao mesmo tempo senti-me verdadeiramente decidida a resolver aquela situação de uma vez por todas, porque só eu a podia resolver (a outra parte não se mostrava interessada, para ele estava sempre tudo bem quando eu tentava resolver as coisas com conversas, mas as atitudes não mudavam).
Quando decidi que queria ser feliz e que não estava a ser feliz como vivia, tudo se tornou mais fácil. Atenção: tornou-se mais fácil dentro de mim, porque tive de lutar de corpo, alma e coração para conseguir afastar-me do que não me fazia bem. É fácil quando o que nos prejudica é algo que não gostamos ou com o qual não temos especial ligação, mas quando envolve memórias de uma relação que inicialmente era boa e que teve momentos alegres, não é assim tão linear. Ainda pensei duas ou três vezes se estaria a fazer o correcto, mas, apesar disto, nem por um segundo o meu coração me disse para voltar atrás.
Não sou perfeita, e por algum tempo sempre que pensava ou falava nisto alguns sentimentos negativos como a mágoa surgiam em mim. Acreditem que chegou ao ponto de eu não conseguir estar no mesmo espaço que ele, porque só isso me deixava extremamente irritada. Não me sentia bem com isso, mas foi preciso muito tempo para eu conseguir gerir tudo o que se passou.
Neste momento, se sinto alguma coisa é gratidão pelo que essa situação me mostrou: durante muito tempo senti que era uma pessoa fraca, mas ao olhar para dentro de mim encontrei as forças que precisava, e provei a mim mesma, mais uma vez, que somos mais fortes do que muitas vezes acreditamos. Quando penso nele, em vez de ver apenas as atitudes que ele tinha comigo, penso naquilo que conheço do passado dele. Não lhe serve de desculpa, também eu e tu passámos (de certeza) por situações menos boas, mas ajudou-me a ver as coisas noutra perspectiva.
Como exemplo: perdi o meu pai de uma forma traumática era ainda uma criança, mas isso não me dá o direito de tratar mal os outros. Pensava muito nisto quando estava naquela relação. Agora penso que eu, apesar de ter passado por situações muito tristes, consegui sempre que essas experiências trouxessem o melhor de mim, não importa o quanto eu tivesse de trabalhar comigo e com outras pessoas boas a ajudar-me, algumas delas sem o saberem. Ele, por seu lado, não conseguiu fazer esta transição, se calhar não teve o apoio que precisava na altura devida, e continuava numa luta consigo que manifestava nos comportamentos que tinha para comigo. Se tentei ajudar? Sim, mas como ajudar alguém que acha que não tem qualquer problema?!
Isto tudo para dizer que, antes de vermos amor nos outros, temos de o procurar em nós. Naquela situação, eu também era responsável pela minha vida, tal como somos em tudo. Ninguém podia mudar por mim, só podiam chamar-me à razão e mostrar que eu não estava a ser eu. Naquela altura tive de aprender a amar-me mais do nunca antes me tinha amado.
“See love in people“, mas também (e principalmente) em ti. É em ti que a mudança começa, nas escolhas que fazes no dia-a-dia. Se precisares de ajuda de amigos, da família, de terapeutas (sejam eles das terapias alternativas ou não, tu é que sabes o que sentes), pede ajuda. Há muitas pessoas boas neste mundo que te darão ferramentas para trabalhares a tua vida para melhor. Não podemos pedir para andarmos sempre felizes, e muito menos para os outros andarem felizes. Quantas vezes colegas de trabalho refilam connosco quando estão é realmente preocupados com problemas pessoais.
A partir do momento em que aceitamos que somos todos Seres reais, com sentimentos, vidas próprias, caminhos que se cruzam mas que, no fundo, cada um tem o seu, começamos a aceitar melhor as mudanças dos outros e também as nossas. O Mundo precisa de Amor. Todos precisamos. Tu precisas de Amor. Começa por te amar, e começarás por ver os outros e o mundo com mais coração.