Arquétipos Femininos: A Guerreira Ferida
Muitas vezes lemos e ouvimos sobre a Mulher Ferida como aquela que é submissa, que parece que atrai relações tóxicas, que não tem voz; é aquela que o patriarcado conseguiu calar. A mulher foi (e é) vítima do patriarcado, sim, mas nem todas são iguais. Há mulheres que vão à luta, empunhando a sua espada, e não se deixam abalar. A que preço? Vamos falar da Guerreira Ferida.
Quem é a guerreira ferida?
É aquela mulher que lutou para chegar onde está, é bem sucedida e independente, que tem confiança nas suas capacidades, mas que com o passar dos anos foi colocando uma armadura cada vez mais rígida para se proteger dos “ataques” do mundo externo que a podiam derrubar, evitando o contacto com as suas emoções e as suas fragilidades (que não admite que tem, porque não pode ter: “tem” de estar sempre forte).
Consegue sempre resolver todos os problemas, seja para ela, seja para os outros, e possui um pensamento estratégico por norma bem desenvolvido, sendo com este pensamento que ela actua no mundo. Sabe onde quer ir, sabe como chegar, e vai à luta até atingir os seus objectivos.
Está sempre em estado de alerta, na defensiva, não deixa que se aproximem dela, e é difícil para ela estabelecer relações de intimidade emocional seja com quem for. Tem uma espada que em tempos a ajudou nas suas batalhas, mas tanto a armadura como a espada já lhe pesam. Este peso é sentido na alma. A mulher pode não perceber este peso porque esconde não só dos outros mas também de si mesma as feridas, fragilidades e medos mais profundos.
Muitas vezes, principalmente nas relações com pessoas que são diferentes de si, esta mulher desenvolve aquilo que Jean Shinoda Bolen, no livro “Goddesses in Everywoman”, chama de Efeito Medusa: intimida os outros, retirando-lhes a sua espontaneidade, criatividade e vitalidade. No escudo de Atena, tal como observamos na imagem no início deste artigo, podemos ver muitas vezes representada a cabeça de Medusa, que tinha serpentes no lugar do cabelo e que é temida por ter um olhar petrificador. Estes aspectos de Medusa são também aspectos da Mulher Atena: como diz Bolen nesse mesmo livro, “Metaforicamente, também ela tem o poder (…) de tirar a vida da conversa, de transformar um relacionamento em um quadro estático. Por se concentrar em factos e detalhes, pela sua necessidade de premissas lógicas e racionalidade, ela pode transformar uma conversa em uma narrativa seca de detalhes” (tradução livre). Isto pode levar as pessoas a aborrecerem-se ou a ficarem irritadas com ela, mas se esta mulher Atena-Medusa estiver numa posição de poder pode levar os outros a sentirem-se tão intimidados que não conseguem raciocinar. É importante referir que muitas vezes uma mulher Atena-Medusa não sabe que tem este efeito nos outros: ela simplesmente está a fazer o seu trabalho bem feito.
Curiosidade: Segundo o poeta romano Ovídio na sua obra “Metamorfoses”, foi Atena quem transformou Medusa nesse ser assustador após se sentir traída, e lançou-lhe a maldição de petrificar com o olhar, levando Medusa a viver em solidão. A cabeça que se encontra no escudo foi a cabeça decapitada de Medusa, por Perseu.
Como sanar a guerreira ferida?
Maternar-se
Fazer o papel de mãe consigo mesma: a Mãe é aquela que nutre, protege, ajuda a crescer e dá amor incondicional. Isto significa nutrição a vários níveis.
Nutrir o corpo: com boa comida (daquelas comidas que realmente gostamos, que nos dá conforto), com uma massagem, com descanso, com uma boa hidratação.
Nutrir a mente: com actividades que goste, como leitura de um bom livro, vendo filmes ou documentários, partilhando histórias com outras pessoas e escutando as histórias delas.
Nutrir a alma: fazendo aquilo que apetece, desde mexer o corpo com dança ou outro tipo de exercício e expandir, até às coisas mais instrospectivas como meditar, escrever num caderno apontamentos mais pessoais, observar o mar.
Dar-se colo: perceber que não faz mal se nem sempre está tudo bem. Perceber que não tem de ser forte o tempo todo. Perceber que não faz mal se não conseguir fazer tudo. Quando as emoções chegarem, tirar um tempo para si, para as sentir e digerir. Abraçar-se, mesmo fisicamente, dando carinho a si mesma.
Conectar-se com as emoções
Durante anos esta mulher nega as emoções; não precisa delas, só a atrapalham. Ao afastar-se das emoções consegue ter um pensamento estratégico mais “puro”, agindo mais assertivamente para atingir os seus objectivos. Mas a armadura começa a magoá-la com o peso destas emoções em cima dela. Conectar-se com as emoções, deixar-se sentir, e, como foi dito acima, dar colo a si mesma é muito importante para que a armadura deixe de pesar tanto.
Procurar ajuda
Não há nada de errado em pedir ajuda para lidarmos mais facilmente com as emoções. As emoções da Guerreira Ferida foram varridas para debaixo do tapete durante anos, e quando começarem a vir à tona pode doer… doer muito. A mulher deixa de ter a armadura rija que a protege da dor e do sofrimento. Pedir ajuda é essencial, não é sinal de fraqueza. Se precisares, fala comigo que dentro dos meus contactos posso ver se conheço alguém que te pode ajudar.
Conectar-se com a criança interior
Diminuir a frieza, começando aos poucos a abrir-se aos outros. Sim, trabalhar a criança interior pode trazer feridas e traumas antigos à superfície, por isso é preciso cuidar deles também. Mas nesta ligação com a criança interior a mulher começa a deixar de lado o estado de alerta constante, permite-se fluir mais, ser mais espontânea.
Todo este trabalho exige tempo e paciência, entrega. Não é de um dia para o outro que se fecham as feridas que existem há anos. O primeiro passo é perceber que essas feridas existem e depois é todo um processo que não vai ser sempre fácil, vai ter altos e baixos, mas valerá a pena!
Isto é algo que trabalho com as mulheres nas Consultas no Feminino: Luz e Sombra. Se sentires, envia-me um e-mail para mais informações.
Nota: Para este artigo recorri a texto que escrevi em Setembro de 2020, publicado originalmente no mesmo mês no âmbito projecto Cool Mystic. Sofreu algumas alterações, visto que também adquiri novos conhecimentos, mas podem reconhecê-lo dessa data.
2 Comments
Nem Sempre Zen
Lindo artigo! O primeiro trabalho, como muito bem referes, é verificar se as feridas existem, pois nem todas as mulheres estão doentes, frustradas ou feridas. Achei importante esse alerta. Para quem passou por estas fases, sulcos marcados na terra do nosso coração pelas adversidades da vida e se revê, acho que este é um trabalho lindíssimo, que leva o seu tempo mas vale muito a pena. Obrigada por partilhares connosco estes ensinamentos.
Joana
Obrigada a ti pelas trocas de ideias, pelas várias conversas sobre assuntos como este, e pelo teu apoio constante!