
Maternar-se: Cuidar da Deméter (Mãe) em nós
No artigo anterior (lê aqui) falei um pouco sobre as várias faces do arquétipo da Mãe, dando o exemplo da deusa Grega Deméter. Tal como prometido, hoje escrevo sobre algumas coisas que podemos fazer para cuidar da Deméter em nós.
O mito
Para quem não conhece o mito de Deméter e Perséfone, faço um pequeno resumo. Existem várias versões, mas resumidamente o mais conhecido diz que Deméter e a filha tinham uma ligação muito grande. Deméter é a deusa das colheitas, Perséfone é deusa da Primavera. Um dia Hades, deus do Submundo, rapta Perséfone e leva-a com ele. Deméter fica desesperada, não sabendo o que se passou com a sua filha, e durante o tempo em que ela procura Perséfone a terra fica estéril, não havia colheitas. Quando finalmente Deméter se encontra com a sua filha, Perséfone já não iria sair facilmente do Submundo, que começou a reinar ao lado de Hades. Então a solução encontrada foi dividir-se o ano: parte do ano Perséfone está com a sua mãe, e nessa altura podemos ver flores, árvores, terra fértil e colorida, e na outra parte do ano Perséfone regressa ao Submundo, Deméter sente a sua ausência, e a terra fica novamente estéril. Há quem acredite que isto se refere à ciclicidade das estações do ano.
Reflecte
Depois de leres o texto anterior também, reflecte sobre as seguintes perguntas:
- Identificas-te com Deméter?
- Como tens cuidado de ti?
- Sabes estabelecer limites saudáveis na tua vida?
- Ficas sempre em segundo plano para poderes dar atenção aos outros?
Relembro que quando falo do Outro ou dos Outros, não me refiro a filhos apenas… Tal como escrevi no texto anterior, isto aplica-se a todo o tipo de relações: amorosas, familiares, amizade.
Neste sentido, a lição que Deméter tem para nós é:
maternar-se.
Maternar-se é dizer aquilo que nos vai na alma e que muitas vezes é silenciado, aprender a olhar e manifestar as nossas emoções mais profundas, e respeitar os nossos momentos de maior fragilidade. É perceber que podemos falhar, porque somos seres humanos e todos erramos. É ser mãe de si ao invés de ser mãe de todos. É saber parar e dizer “hoje não” quando hoje não nos sentimos capazes. É recolher ao nosso cantinho, deitar a cabeça na almofada, se calhar até adormecer de lágrimas nos olhos, mas permitir este descanso ao nosso corpo e à nossa mente, e muitas vezes acordar mais forte do que no dia anterior. Maternar-se começa com a libertação de nós mesmos, libertação dos sentimentos de culpa, e da percepção da nossa importância individual.
Dá-te amor, aprovação, validação, tempo.
Como tal, sugiro-te:
- Procura sempre tempo para ti
Como dizia a minha avó, “o cântaro não pode dar a água que não tem; tem de ir à fonte buscá-la e só depois pode encher os copos”. Tu não podes dar o que não tens sem consequências para a tua saúde, como a exaustão e o burn-out.
Há realidades que não permitem: uma mãe solteira que tem de cuidar do filho, da casa, trabalhar… Pouco tempo terá para si. Não gosto de generalizar, cada um deve adaptar aquilo que transmito à sua realidade (se precisares, estou aqui para te ajudar nesse planeamento). Mas sempre que possível, procura ajuda, apoio, alguém que alivie um pouco nas tarefas da casa, que ajude com a criança.
Cuida de ti primeiro. Só assim poderás ter energia e disponibilidade mental, física e emocional para cuidar dos outros de forma saudável.
- Aprende a dizer “não”
Sabes dizer não quando é essa a tua vontade? Ou, seja qual for a razão, acabas sempre por fazer o que te pedem ou, por exemplo, vais ao café quando não te apetece ir? Apetecia-te mesmo relaxar em casa mas não ficas, mesmo que te sintas cansada, mesmo que esse bocadinho fosse o único em que podias estar a sós, num momento só teu.
Aprende a dizer que não sem sentir culpa. Vai dormir uma sesta entre o final do dia do trabalho e a hora de jantar. Descansa o que não descansarias se tivesses ido ao café.
Se tens a cozinha para arrumar, é essencial que fique “a brilhar” hoje, um dia em que te sentes cansada e sem forças para nada? Ou é mais produtivo se fores descansar e amanhã tratares do que falta?
- Aprende a equilibrar o dar e receber
O equilíbrio é a melhor forma para se estar em tudo. Mais uma vez, há realidades que dificultam esta possibilidade, nomeadamente com crianças pequenas que precisam tanto de nós.
Tenta sempre ter tempo para ti, para te dares colo, para te escutares e dar amor a ti. Gostas de ajudar os outros, mas quando tens tempo para ti?
E aceita quando os outros te querem dar. Às vezes estamos tão habituados a dar que quando recebemos algo (nem que seja um elogio) ficamos meio “sem jeito”… Aprende a aceitar ajuda, elogios, ou seja o que for que seja para o teu bem-estar. Tu mereces!
- Procura independência – Cultiva a tua Artémis
Procura fazer um trabalho interno de aceitação que os outros nem sempre te irão dar na mesma medida que tu dás, e que não têm de estar sempre juntos e fazer coisas em conjunto. Não quer dizer que não gostem de ti, não quer dizer que não te valorizem. Todos temos vidas separadas, mesmo quando moramos juntos. As crianças pequenas um dia também irão crescer, e cada vez mais se tornam autónomas e separadas dos pais.
Começa a fazer coisas sozinha ou com pessoas diferentes: vai jantar com amigos que vês menos vezes, vai passear sozinha, e até os teus momentos de auto-cuidado podem ser aqui mencionados como exemplo. Não dependes do Outro para seres tu, só dependes de ti.
Como conclusão:
Não é egoísmo pensares em ti e no teu bem-estar. Todos os dias tenta fazer algo que gostes, nem que seja estares na cama a ouvir música durante uns minutos, ver um episódio da tua série favorita, almoçar com uma amiga… não temos de sentar e meditar, não temos de sair de casa para a praia ou a floresta (é bom, mas não é preciso). Pede ajuda.
Se estamos a entrar em fase crítica, ou se nos apercebemos deste padrão em nós, é importante pedir ajuda, e até ajuda profissional de um psicólogo ou psicoterapeuta, por exemplo.
Se precisares de algo em que te possa ajudar, de uma consulta comigo (vê aqui) ou de uma sugestão de outro terapeuta dentro dos meus contactos, não hesites em falar comigo. Para além do formulário de contacto aqui no site, podes contactar-me para o e-mail joanasilva@terapiasdalma.pt.


2 Comments
Nem Sempre Zen
Gostei muito deste artigo (em complemento do anterior) e achei muito interessantes as sugestões práticas para viver estes ensinamentos. Um beijinho
Joana
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