
Contos de Fadas, Mitos e Imagens Arquetípicas
Para que servem os contos de fadas e os mitos em terapia?
Os contos de fadas e os mitos são compostos por símbolos que permitem a sua compreensão por diferentes pessoas: os mitos, de uma forma mais cultural (e para isso contribuem, por exemplo, os vários deuses dos diferentes panteões, intimamente ligados à cultura que lhes dá voz), e os contos de fadas, que, por seu lado, são compreendidos de forma idêntica por qualquer pessoa em qualquer parte do mundo.
Através da linguagem simbólica cada pessoa consegue trazer esses contos/mitos para a sua própria vida, dando a sua própria interpretação.
Esta linguagem simbólica, que depois é trabalhada em consulta com o apoio de um terapeuta, pode ser encontrada tanto em objectos, como a maçã envenenada, uma rosa que perde pétalas, ou as sementes de uma romã, como também nas próprias personagens presentes em cada história.
Imagens arquetípicas nos contos e mitos
Os arquétipos manifestam-se através dos símbolos. Estes símbolos são, portanto, imagens arquetípicas e não o arquétipo em si: são uma manifestação que nos permite compreender e dar forma ao arquétipo.
Nas histórias, podemos ver essas imagens arquetípicas representadas através de personagens que participam no desenrolar do enredo.
Por exemplo:
Existe sempre um herói ou uma heroína, que pode ser um príncipe, uma princesa ou alguém de baixa condição social. É esta personagem que irá fazer a sua Jornada.
Muitas vezes esta personagem, que é considerada a principal, tem um amigo que o acompanha, seja da mesma espécie ou não.
Há alguém imediatamente associado à Sabedoria e que também pode assumir várias formas, que aconselha a personagem principal nesta jornada, dando pistas para que o herói/heroína consiga chegar ao seu objectivo. Algumas pistas podem ser mais directas, outras surgem por meio de charadas.
A Dualidade do Feminino: Fadas, Mães e Bruxas
A Fada Madrinha da Cinderela tem aqui um papel de substituição da mãe, visto que perdeu a mãe biológica e é rejeitada pela madrasta. A madrasta pode ser vista como a Mãe Terrível, e a Fada Madrinha como a Mãe Boa (ambos aspectos do arquétipo da Grande Mãe).
Mas nem todas as Fadas são boas, já o dizia Sophia de Mello Breyner Andresen no seu livro “A Fada Oriana”:
Há duas espécies de fadas: as fadas boas e as fadas más. As fadas boas fazem coisas boas e as fadas más fazem coisas más
No conto original, a Sininho do Peter Pan é extremamente ciumenta e mimada. No folclore escocês existem várias espécies de Fada que são malvadas. E não nos vamos esquecer que na história A Bela Adormecida, muitas vezes pensamos na Maléfica como uma Bruxa, mas na verdade ela sempre foi a Fada Má (The Wicked Fairy) mesmo sem falarmos do spin-off com a Angelina Jolie.
Assim como nem todas as fadas são só boas, nem todas as bruxas são só más. Na história do Feiticeiro de Oz, por exemplo, todos conhecemos Glinda, a Bruxa Boa do Sul, ou a Bruxa do Mar, do conto “A Pequena Sereia”.
O Arquétipo da Grande Mãe
“A Grande Mãe é considerada o arquétipo fundamental da psique humana (corresponde à dimensão do feminino) e se configura de três formas: a mãe bondosa, a mãe terrível e a combinação das duas, a Grande Mãe. A mãe bondosa apresenta os elementos positivos do feminino e masculino, a mãe terrível apenas possui os elementos negativos do feminino e masculino, já a Grande Mãe tem os elementos positivos e negativos de ambas mães e consiste no fruto de nossas experiências ancestrais (genitoras e matriarcais).”
Citação do livro: A Grande Mãe: Um estudo histórico sobre os arquétipos, simbolismos e as manifestações femininas do inconsciente de Erich Neumann
Nos contos de fadas e outras histórias podemos então encontrar a Mãe ou a Madrasta, e elas mostram-nos (seja uma ou outra) aspectos da Mãe Boa ou da Mãe Terrível.
Podemos verificar isso também na mitologia, por exemplo, no mito de Deméter e Perséfone: se vemos uma mãe cuidadosa e carinhosa enquanto Perséfone ainda vive sob a sua asa, quando esta é levada para o submundo Deméter revela o seu lado de Mãe Destruidora.
A celta Cerridwen não é uma deusa que seja facilmente associada à Mãe, sendo mais vezes vista como Anciã, mas na verdade podemos ver nela ambos os lados da Grande Mãe. Ela é a provedora da vida e da morte. Por outro lado, num outro mito desta deusa, é que comparamos com a Bela e o Monstro (ou A Bela e a Fera), e em que ela assume a figura de Anciã, Cerridwen utiliza o seu poder para transformar a aparência física da pessoa de acordo com a maneira como essa pessoa a trata.
Este texto terá mais uma parte. Foi, na sua íntegra, fruto de investigação e escrita conjunta com a Patrícia – Nem Sempre Zen entre Maio e Agosto de 2022
Bibliografia
Bosker, B. (2020). Why Witchcraft Is on the Rise. Acedido na internet em junho 2022
Grossman, P. (2019). Here’s What Being a Witch Really Means. Acedido na internet em junho 2022
Neumann, E. (2021). A grande mãe: Um estudo histórico sobre os arquétipos, simbolismos e as manifestações femininas do inconsciente. Editora Cultrix, 2ª edição. São Paulo.
Von Franz, M. (2000). O Feminino nos Contos de Fadas. Editora Vozes, 2ª edição. Petrópolis, Brasil

