Bruxas: O Mal e a Sabedoria nos Contos de Fadas
“Nessa figura temos os dois aspectos do arquétipo da Mãe, pois ela possui um lado luminoso e um lado sombrio — a bruxa e a benevolente e maternal” (Marie-Louise Von Franz).
Frequentemente associada ao “mal”, a personagem da Bruxa, como já referimos, é fundamental no desenrolar da aventura do herói/heroína.
Segundo Marie Louise Von Franz, a figura da Baba Yaga, personagem do folclore eslavo pode mostrar-se “benéfica ou maléfica, qual figura da Grande Mãe de molde arcaico, na qual o positivo e o negativo ainda estão misturados” (Marie-Louise Von Franz).
A ideia que temos da Baba Yaga é frequentemente corrompida através do imaginário popular, que a menciona como sendo apenas uma “bruxa má”, quando na realidade esta figura é muito mais rica e importante do que à partida poderíamos pensar.
“A bruxa pode, no entanto, assumir outros papéis. Em alguns outros contos não é a sua maldade que é salientada, mas o seu saber. (…) Possuidora de informação, alguma da qual ancestral, pode usá-la a seu belo prazer. E quando o faz de modo negativo (entenda-se aqui negativo como forma não ortodoxa, isto é, fora daquilo que um dado contexto cultural considera dever pertencer aos parâmetros sociais estabelecidos e aceites), a bruxa torna-se facilmente bode expiatório e alvo fácil. Por isto, a bruxa é frequentemente vítima e não algoz, quer no texto do conto tradicional, quer na História” (Marie-Louise Von Franz).
É a figura da bruxa que aproxima as pessoas do derradeiro acto de contrição – morte simbólica – que as coloca frente a frente com a sua sombra, como podemos observar no conto “Vassilissa”: Não é inteiramente má e de certa forma revela-se compassiva: Baba Yaga encarna o duplo aspecto da Grande Mãe (Marie-Louise Von Franz).
Transpondo esta ideia para a nossa vida quotidiana, quantas e quantas vezes não somos confrontados com pessoas ou situações que remetem para aquilo que a Baba Yaga representa?
Tal como referido acima, o vilão é muitas vezes o catalisador da história. Na nossa vida, há acontecimentos que nos impulsionam após um período de estagnação e nos motivam a ir à luta ou nos dão força para vencer uma determinada batalha.
Mas não é só neste impulso que a “energia” se revela, é também na dualidade no nosso modo de pensar, reflectido nos comportamentos e acções. Enquanto seres humanos carregamos esta bagagem de estarmos no limite, entre o bem e o mal, que nos provoca, confunde e atemoriza mas cuja natureza precisamos abraçar.
Ser “bruxa” está na moda.
Desde que recentemente se retomaram contactos com a natureza, quer a nível dos cuidados pessoais e cosmética, que se reflectiram numa busca pelas raízes do herbalismo, quer a nível de crenças espirituais mais esotéricas, a figura da bruxa tornou-se apelativa.
Para os “crentes” mais místicos, a bruxa está ligada às parteiras e mulheres livres de grilhões sociais, às mulheres que conhecem as plantas e mezinhas que nos curam, aos saberes ancestrais naturais, aos ciclos da lua e ao paganismo, ou seja, muito mais ligada à figura da mulher sábia e conhecedora dos mistérios da vida do que propriamente à figura da mulher velha, feia e má que as histórias da Disney nos contam.
No entanto, há também muitas ideias sobre o imaginário da bruxa que nos fazem cair num exagero fantasioso, ao invés de incorporar o espírito que esta figura veicula para tentar tornar o nosso mundo num mundo melhor.
Bianca Bosker escreveu num artigo para o site The Atlantic, que:
“O mais recente renascimento das bruxas coincide com um crescente fascínio pela astrologia, cristais e tarot, que, como a magia, os praticantes consideram maneiras de explorar fontes de poder invisíveis e não convencionais – e que podem ser especialmente atraentes para pessoas que se sentem desprivilegiadas ou que cresceram cansadas de tentar decretar a mudança trabalhando dentro do sistema.”
O que é compreensível. Quando o mundo à nossa volta desaba, o mundo místico pode oferecer uma esperança renovada que, de alguma forma, nós podemos efectivamente ajudar a mudar o sistema e a sociedade injusta e opressora através de meios não convencionais.
Mas, de facto, ser uma bruxa dos tempos modernos pode ser demonstrado não só através de rezos e trabalhos espirituais mas sobretudo através de atitudes que potenciem a mudança no mundo, por intermédio de acções práticas junto da sociedade e é isto que é muitas vezes esquecido.
A jornalista Pam Grossman escreveu que:
“Bruxa” é uma das palavras que agora uso para me descrever, mas seu significado varia de acordo com o contexto. A qualquer momento, pode significar que sou feminista; alguém que celebra a liberdade para todos e que luta contra a injustiça; uma pessoa que valoriza a intuição e a auto-expressão (…) Eu sou uma bruxa quando celebro a mudança das estações com minhas irmãs de coven, assim como quando me posiciono contra a destruição do meio ambiente. Eu sou uma bruxa quando faço a saudação ao sol, reverencio a lua e as estrelas, e quando trabalho para subverter a narrativa corrosiva de sexismo, racismo, queer-fobia e xenofobia”.
Este texto é a segunda parte. Foi, na sua íntegra, fruto de investigação e escrita conjunta com a Patrícia – Nem Sempre Zen entre Maio e Agosto de 2022
Bibliografia
Bosker, B. (2020). Why Witchcraft Is on the Rise. Acedido na internet em junho 2022
Grossman, P. (2019). Here’s What Being a Witch Really Means. Acedido na internet em junho 2022
Neumann, E. (2021). A grande mãe: Um estudo histórico sobre os arquétipos, simbolismos e as manifestações femininas do inconsciente. Editora Cultrix, 2ª edição. São Paulo.
Von Franz, M. (2000). O Feminino nos Contos de Fadas. Editora Vozes, 2ª edição. Petrópolis, Brasil